Fragilizado, Bolsonaro prepara mudanças no governo para ceder mais poder ao centrão
Em seu momento de maior fragilidade
no governo, Jair Bolsonaro (sem partido) prepara uma reforma ministerial com a
previsão de dar mais poder ao centrão, bloco político que era criticado no
discurso do atual presidente e que se tornou sua base de sustentação no Congresso.
O mandatário disse nesta
quarta-feira (21) que as mudanças ocorrerão até a próxima semana, mas a
expectativa é a de que se concretizem até sexta (23).
Elas serão feitas em meio a uma
série de pressões sobre Bolsonaro, incluindo mais de cem pedidos de impeachment
na Câmara, perda de popularidade, desvantagem sobre Lula nas pesquisas
eleitorais para 2022, investigação da CPI da Covid no Senado, instabilidades na
base governista e negociações do fundo eleitoral bilionário.
O desenho definido por enquanto
envolve trocas em três pastas: o senador Ciro Nogueira (PP-PI) vai para a Casa
Civil no lugar do general Luiz Eduardo Ramos, que passa para a Secretaria-Geral,
hoje ocupada por Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Já Onyx, pelos planos atuais,
ocupará o Ministério do Trabalho e da Previdência, que será recriado com a
publicação de medida provisória prevendo a divisão do Ministério da Economia,
de Paulo Guedes.
A aliança de Bolsonaro com o
centrão, buscada pelo presidente no ano passado diante de uma série de pedidos
de impeachment que já se acumulavam na Câmara, enterrou de vez o discurso
bolsonarista, explorado à exaustão durante a campanha de 2018, de que o
presidente não se renderia ao que chamava de a velha política do "toma lá,
dá cá".
Para atender o centrão, o governo
faz promessas de liberação de bilhões em emendas parlamentares e agora prepara
até a recriação de ministérios, contrariando outro discurso da campanha, o do
enxugamento da máquina pública.
Hoje o governo Bolsonaro tem 22
ministérios, 7 a mais do que os 15 prometidos na campanha eleitoral -sob a
gestão de Michel Temer (MDB), seu antecessor, eram 29 ministérios. A
administração atual chegou a ter 23 ministérios, mas o Banco Central perdeu
este status com a aprovação de sua autonomia.
Um dos objetivos da troca é
organizar a base do governo e dar mais visibilidade a ações de Bolsonaro que
serão tomadas daqui em diante, como a reformulação do Bolsa Família, considerada
peça-chave para a campanha à reeleição do mandatário em 2022.
Além disso, o presidente pretende
se aproximar ainda mais do centrão. O senador Ciro Nogueira é presidente
nacional do PP e um dos principais líderes do bloco de partidos que sustenta a
base de apoio a Bolsonaro no Congresso.
"Estamos trabalhando,
inclusive, uma pequena mudança ministerial, que deve ocorrer na segunda-feira,
para ser mais preciso, para a gente continuar aqui administrando o
Brasil", disse Bolsonaro em entrevista à rádio Jovem Pan de Itapetininga,
também transmitida por suas redes sociais.
A troca na Casa Civil também
contempla a insatisfação no Congresso com o atual ministro, o general da
reserva Luiz Eduardo Ramos. Bolsonaro estava sendo pressionado a trocar o
general da Casa Civil e estudava fazer essa alteração.
Amigo de Bolsonaro que ganhou força
ao coordenar a última dança das cadeiras no governo, em março, Ramos vinha
sendo alvo de queixas de parlamentares, inclusive do presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), correligionário e muito próximo a Ciro Nogueira.
Auxiliares de Bolsonaro relataram
que Ramos demonstrou insatisfação com a mudança. Em entrevista ao jornal O
Estado de S. Paulo, ele se disse surpreendido.
"Eu não sabia, estou em
choque. Fui atropelado por um trem, mas passo bem", afirmou Ramos, que se
disse "um soldado" que "não escolhe missão", mas explicitou
que a mudança é por "motivos políticos". "Se eu estivesse sendo
trocado por alguém formado em Oxford ou Harvard, tudo bem, poderiam dizer que
falhei. Mas é por um político aliado do presidente, é assim que funciona",
disse.
Bolsonaro avalia que precisa
melhorar sua articulação politica, especialmente no Senado, onde a CPI da Covid
avança sobre o governo e onde tramitam duas significativas indicações do
Palácio do Planalto -a do atual advogado-geral da União, André Mendonça, para
uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) e a da recondução de Augusto Aras ao
comando da PGR (Procuradoria-Geral da República).
"Parlamentar experiente, com
boa interlocução na Câmara e no Senado, Ciro Nogueira reúne as credenciais para
ampliar o apoio ao governo, avançar com a agenda econômica e contribuir para a
construção de políticas públicas. Excelente escolha do presidente Bolsonaro no
sentido de aperfeiçoar a relação com o Congresso!", escreveu em uma rede
social o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
No Planalto, Ramos não era próximo
da ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), que, por sua vez,
precisava de alguém com maior trânsito entre os senadores para ajudá-la na
articulação política do Executivo.
Além disso, havia no Planalto o temor de que Ciro Nogueira se distanciasse do
governo.
Ele já vinha aparecendo cada vez
menos em defesa de Bolsonaro na CPI da Covid e, na semana passada, não escondia
sua insatisfação com a liberação de recursos para o Governo do Piauí. O
governador Wellington Dias (PT) é seu adversário político.
O senador aceitou o convite para
assumir a Casa Civil ainda na terça. Ciro Nogueira seria candidato ao governo
de seu estado, mas, com a decisão de virar ministro, já admite a pessoas
próximas que deve abrir mão de entrar na disputa.
O plano de alterações no governo
também se consolidou após Bolsonaro afirmar que vai vetar um fundo eleitoral
turbinado de R$ 5,7 bilhões, promessa que tem potencial de desagradar
parlamentares do centrão.
O presidente e seu governo vêm
assistindo a uma escalada de impopularidade. O ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT), hoje seu principal adversário, ampliou vantagem nas intenções de
voto para 2022 e cravou 58% a 31% no 2º turno, segundo pesquisa mais recente do
Datafolha.
Diante deste cenário, a pressão
sobre Bolsonaro cresceu no Congresso. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo,
o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse que as
ameaças de Bolsonaro sobre a não realização das eleições de 2022 são um
"claro crime de responsabilidade".
Ele afirmou que estuda a
possibilidade de acatar um pedido de impeachment no exercício provisório da
presidência. Recentemente, ele pediu para ter acesso aos pedidos protocolados
na Câmara.
Um dos ministérios mais importantes
na Esplanada, a Casa Civil tem a função de organizar e coordenar as diferentes
ações de governo. A pasta atua sempre que uma determinada medida necessita da
articulação de dois ou mais ministérios.
O chefe da Casa Civil despacha a
poucos passos do gabinete presidencial e costuma ser chamado a opinar antes das
principais decisões do mandatário.
Por essas características, a Casa
Civil tem um histórico de ex-ministros que atuaram como braço direito dos seus
presidentes.
No início do governo Lula, por
exemplo, o ministério ficou com José Dirceu, homem forte do PT que só deixou o
posto na esteira do escândalo do mensalão. A substituta de Dirceu foi Dilma
Rousseff, que acabou sucedendo o próprio Lula na Presidência.
Eleita, Dilma escolheu Antonio
Palocci para a Casa Civil, que assumiu o cargo com status de superministro -ele
durou poucos meses no Planalto e pediu demissão após revelações feitas pela
Folha de S.Paulo sobre o aumento de seu patrimônio.
Depois do impeachment de Dilma, o
ex-presidente Michel Temer escalou um de seus aliados mais próximos para a Casa
Civil. Como ministro, Eliseu Padilha também atuou como um articulador político
do governo, envolvendo-se de perto nas negociações que levaram à aprovação do
teto de gastos e à rejeição, na Câmara, de denúncias feitas pela PGR contra
Temer.
Ao escolher Ciro Nogueira,
Bolsonaro consolida ainda mais seu casamento com o centrão, bloco de partidos
fisiológicos que reúne cerca de 150 parlamentares. Atualmente há representantes
do grupo na Secretaria de Governo, com Flávia Arruda, nas Comunicações, com
Fábio Faria (PSD-RN, mas que deverá se filiar ao PP), e na Cidadania, com João
Roma (Republicanos-BA).
O centrão já foi alvo de críticas
tanto de Bolsonaro como de seus auxiliares mais próximos. Ainda antes de
assumir o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general Augusto Heleno
cantou num ato partidário: "se gritar pega centrão, não fica um meu
irmão".
Por uma questão de sobrevivência, o
discurso eleitoral de Bolsonaro deu lugar ao pragmatismo. No início da
aproximação com o bloco, o mandatário se justificou como necessidade de
governabilidade.
A mudança também representa um
afastamento dos militares do núcleo decisório do governo. General da reserva,
Ramos sai de um cargo estratégico para um ministério de menor importância.
Sob o guarda-chuva da
Secretaria-Geral está a SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos), estrutura que
tem despachos diários com o presidente. Mas seu titular, Pedro Cesar Sousa,
hoje reporta-se diretamente a Bolsonaro.
O rearranjo no Palácio do Planalto
também pode ter um componente eleitoral, uma vez que Bolsonaro teve seus planos
de ingresso no nanico Patriota dificultados por problemas internos da legenda.
Diante disso, o mandatário voltou a
considerar filiação ao PP.
Por um lado, a parceria garantiria ao presidente apoio político e mais recursos
para a campanha de reeleição em 2022, enquanto que o partido passaria a ter
perspectiva de eleger uma bancada ainda maior de deputados federais.
Por outro lado, Ciro Nogueira é um
presidente partidário forte, o que dificulta a intenção original de Bolsonaro
de controlar a legenda que o abrigará para o pleito do ano que vem.
NÚMERO DE MINISTÉRIOS
Antes de Bolsonaro
29 (gestão Michel Temer), sendo 1 (3,4%) comandado por mulher
Promessa de campanha de Bolsonaro
15
Da posse de Bolsonaro até
10/06/2020*
22, sendo 2 (9%) comandados por
mulheres
De 10/06/2020 a 24/02/2021**
23, sendo 2 (8,7%) comandados por
mulheres
24/02/2021 a 30/03/2021*
22, sendo 2 (9%) comandados por mulheres
De 30/03/2021 a 21/07/2021
22, sendo 3 (13,6%) comandados por
mulheres
Com a recriação do Ministério do
Trabalho
23, sendo 3 (13%) comandados por mulheres
*Recriação do Ministério das
Comunicações
** Banco Central ganha autonomia e perde status de ministério
* indicação de Flávia Arruda para a Secretaria de Governo
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